Entrevista retirada do jornal i
Num país onde se brinca com o povo só podemos levar a coisas na brincadeira...
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Seja o Jel, o Neto dos Homens da Luta, ou Nuno Duarte, é o enfant terrible da televisão e dos políticos. Agora vai candidatar-se à Câmara de Lisboa
"Aqui é que se trabalha bem para a luta." Jel, o enfant terrible da televisão portuguesa, recebeu o i em tronco nu, deitado numa esperguiçadeira, sob o sol implacável de um dia de semana na Costa da Caparica. Mordaz e corrosivo como já nos habituou, o ex-humorista da SIC Radical falou da sua candidatura à Câmara de Lisboa, dos novos projectos de Neto e Falâncio e das polémicas com os políticos.
Essa candidatura à Câmara de Lisboa é para levar a sério?
Claro. Já estamos a recolher assinaturas.
Quantas faltam?
Temos mil e precisamos de 4500. Acho que vai ser fácil. Se conseguir estar no boletim, posso muito bem vir a ser vereador.
Mesmo sem um programa eleitoral?
Não tenho nem vou ter. Só levo uma proposta: transformar os jardins de Lisboa em hortas para o povo.
Mas as pessoas vão levar a candidatura a sério?
Não, mas é esse o objectivo. É nestas alturas de abstenção, quando o povo está descrente, que surgem os malucos a gritar. E o povo adora isso
Porque se candidata? Para se promover ou faz parte do acordo com a marca que o patrocina?
A Nestea só apoia o espectáculo dos Homens da Luta, não tem nada a ver com a candidatura. Este tipo de candidaturas - a minha, a do Mário Viegas e do Manuel João Vieira no passado - é que demonstra a vitalidade da democracia.
Porquê?
Vou-te dar um exemplo: convidaram-nos, há um mês, como Homens da Luta, para fazer um espectáculo na inauguração do Hotel Vila Galé, em Lagos. Estava lá o Sócrates e o Manuel Pinho. A meio do espectáculo, o primeiro-ministro fugiu e disse aos seguranças que não voltava a entrar enquanto nós não saíssemos. Isso dá-me gozo. A política dá-me gozo. E se eu sou popular porque não posso ir a votos?
Já não é a primeira vez que tem problemas com Sócrates...
É verdade. Numa manifestação da CGTP, estávamos a passar na Rua Bramcamp, onde mora o primeiro-ministro, e eu disse uns impropérios ao megafone. Um dia depois do programa, o gabinete do Sócrates ligou à SIC Radical para impedir a transmissão das repetições. Foi um incidente e o episódio acabou por ser retirado do ar.
Sente-se que tem um certo orgulho a falar disso, como se intimidar um político fosse uma espécie de vitória....
Completamente. É sinal que o meu trabalho de provocação está a surtir efeito.
Não acha que exagera?
Sim, reconheço que sim. E esse caso do Sócrates foi um deles.
É filiado nalgum partido?
Não. Já andei próximo do "berloque" de esquerda, em 1999. Cheguei a ir a algumas reuniões, ajudei a colar cartazes, organizei umas festas. Mas depois desiludi-me, por causa da ideologia. Para mim, tudo o que é ideologia, faz-me retrair.
E o seu partido, não tem ideologia?
O meu não. Vai chamar-se Todo Partido e o objectivo é, depois das eleições, ser um aglutinador de candidaturas semelhantes, ser a base para alguém se candidatar a um junta de freguesia, por exemplo.
Votou nas últimas eleições?
Não, agora só voto em mim. Por isso é que me vou candidatar.
Tem cartão de eleitor?
O primeiro já o fumei. Depois não voltei a tirar, era mesmo bom para fazer filtros...
Falando do percurso de humorista, o que anda a fazer?
Há um mês que estamos com o espectáculo Homens da Luta. É o Neto e o Falâncio, com uma banda de dez elementos e instrumentos tradicionais. Vamos correr os cine-teatros das capitais de distrito.
E o programa da SIC Radical?
Depois do "Vai tudo abaixo na América" apresentámos uma proposta para outros programas, mas não têm o dinheiro que nós precisamos. Temos um acordo com um operador de internet para fazer sketches e colocar online.
Um "Vai Tudo Abaixo" na internet?
Não. É um conceito diferente. Um sketch por dia, de um ou três minutos. Mas tenho pena de não fazer televisão.
Nenhum canal generalista vai apostar no Jel. Têm os Contemporâneos, os Gato Fedorento..
Não sei porque têm medo, já provamos que somos produtivos. Gosto do Nuno Lopes e acho os Gato previsíveis. Já disse que eles são betinhos e é verdade: é pessoal do Colégio São João de Brito.
E o Jel onde estudou?
Na Secundária de Odivelas, hard-core motherfucker [risos]. Até facadas havia. Eu era da tribo dos punks, tinha crista e tudo. Daí a alcunha Jel.
Quanto custava o "Vai Tudo Abaixo"?
A SIC Radical deu-me 20 mil euros por vinte episódios na América. Estive lá uns três meses e perdi dinheiro. Sou mau a negociar porque apresento as ideias cheio de pica e as pessoas percebem isso.
Onde esteve nos Estados Unidos?
Nova Iorque, Filadélfia, Washington, Las Vegas. Foi um grande programa. O meu irmão apertou a mão ao Obama. Se fosse outro gajo qualquer abria os telefornais.
Porque acha que o ignoram?
Não sei, mas os artistas como eu, em Portugal, sempre viveram mal.
Quem?
O Bocage, por exemplo...
Achas que é o Bocage do século XXI?
Não sou poeta, mas sim, identifico-me. Era um gajo à margem, como eu. Portugal é foo. Até acho que em relação a outros artistas sou um priveligiado - graças a Deus existem marcas para nos patrocinar.
Apesar de estar a representar, há uma certa genuidade nas suas personagens. Não acha que ao ser patrocinado por uma marca vai desvirtuar essa imagem?
O público percebe. Voltando aos Estados Unidos, o que fazia lá, além dos sketches?
Filmámos quase todos os dias. Estivemos com os Moonspell, José Luís Peixoto, Lobo Antunes. E em Las Vegas divertimo-nos...
Divertiram-se...?
Sim, jogámos e fomos a umas casas de strip.Perdeu dinheiro?Claro, umas centenas de dólares - 200 ou 300. E fui dos que perdi menos. Os gajos lá são muita manhosos: enquantos estás a jogar estão sempre a oferecer-te bebidas.
Já lá tinha ido com a sua banda pró-guerra, os Kalashnikov...?
Demos dois concertos, no Texas e Nova Iorque. Como? Aquilo não é uma banda para levar a sério, era tudo a abandalhar...Era o ca?!&=o. Fo#!-se, desculpa lá, os Kalashnikov é ganda rock! Gravámos um CD.
Sim, é bem tocado, mas é para o número...
Todo o rock é a avacalhar, essa é a essência do rock, o avacalho. Desde os Rolling Stones, aos Ramones, Clash... Há é uma mensagem satírica e negra de pró-guerra.
Por falar em música. Começou num registo quase romântico, a cantar o “Viola-me Eléctrica”....
Era uma coisa lírica....
A puxar para o introspectivo e lamechas.Era. Não tenho jeito especial para coisa nenhuma, mas sou muito teimoso. Nesse disco era eu e as minhas dúvidas existenciais. Mas não tenho jeito para chorão...
Ainda assim foi para o Brasil à custa das vendas....
Sim, vendi quase dois mil discos. Agarrei nos 10 ou 12 mil euros e fui passear para o Brasil.
E já tinha estado em Paris.
Sim, tinha uns 19 anos. O meu ganha-pão foi vender caldos knorr como se fosse ganza junto à campa do Jim Morrison. Era a zona mais freak do cemitério Pére Lachaise, fumávamos umas das nossas – que eram boas – partilhávamos com os turistas, e depois vendíamos caldos knorr.
Nunca teve problemas com a polícia?
Em França passei uma noite na esquadra, mas foi por pegar fogo a uns caixotes.
E em Portugal?
Fui detido várias vezes, preso não. Uma vez, ainda no tempo da Revolta dos Pasteis de Nata, foi por estar vestido de bófia, num sketch de um polícia racista. Era tudo malta minha conhecida, mas filmado como um apanhado, para captar a reacção das pessoas._O problema foi que alguém chamou a bófia, e fomos todos de cana.
Qual foi a situação de maior stress?
Uma vez que fomos para o circo Chen reclamar por causa dos animais. Levámos porrada, e quase fui parar à jaula dos leões.
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