terça-feira, setembro 19, 2006

Pesadelo...


No dia em que os sons partiram, ninguém estava á espera.
Assim sem aviso prévio, sem contestação ou razão específica, instalou-se a surdez como quem vem para ficar.
No inferno festejou-se a cor... e a cor era vermelha, pungente de euforia como só o vermelho sabe ser, vermelho cardeal porque o diabo tem destes humores satíricos.
Dos convidados apenas se sabe que pensavam que a surdez estava em sintonia com brincadeiras demoníacas e que tudo era apenas mais uma partida temporal que qual jogo servia para passar o tempo inventando novas formas de comunicação.
E assim sem música nem conversas ruidosas pularam e inventaram danças, mimaram e inventaram gestos. Falaram sem falar e tocaram-se e abraçaram-se gesticulando para demonstrar tudo o que queriam expressar.
E de tantos abraços e toques acabaram por inventar prazeres que os faziam rir sem som e até as cócegas eram diferentes porque apenas se manifestavam por impulsos nervosos.
Sem dúvida que aqui e ali os mais atrevidos brincaram de orgia porque isto de falar sem dizer ou dizer a tocar tem frutos desconhecidos.
As horas passaram e a brincadeira já não tinha tanta graça, estavam cansados de gesticular e de repetirem palavrões e maldades sem som que lhes desse vida. E foram caído no cansaço tristes por não poderem dizer "já chega, basta..."
Foi neste ambiente desolador que pela sala entrou a Alegria farta de ser hostilizada e chocou com a Surdez cínica que sorria sem dentes esticando os lábios finos e descoloridos que lhe davam um ar estranho de figura de cera.
Os presentes trocaram olhares de medo porque sabiam que a surdez desconhece o som da alegria e a alegria não vive nos silêncio amarfanhados de neurose.Lutaram, lutaram com fúria por terrenos escorregadios.
Os pequenos rumores que chegavam mostravam que por momentos escassos a alegria conquistava terreno mas logo de seguida voltava o silêncio.
E a luta estendeu-se por segundos infinitos que o tempo não se pode medir quando as lutas não são dimensionáveis e eis que sem aviso e pleno de fúria irrompe no espaço a Memória Colectiva que sem mais acabou com esta luta, de tolos, gritando que fizessem o que fizessem as recordações sempre teriam som e alegria porque eram passado, porque eram memória, porque a memória não apaga ... a memória guarda e é de memórias que vivem os espíritos.
Como numa fotografia, onde a imagem fica parada, assim aconteceu e como um mundo de gelo em pleno deserto... os intervenientes desapareceram e o mundo foi ganhado sons e risos, lágrimas e gritos, vestiu-se de cores diversas e os abraços de amizade voltaram a ser o que eram e a luxúria e o desejo retomaram os seus caminhos de mão dada conversando sobre timbres e musicais e da falta que os sons faziam em cada acto em cada frémito para dar vida às emoções.

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