segunda-feira, novembro 28, 2005





Encharco-me em comprimidos de insanidade metal nos limites da razão.
Vivo arrendada num palácio de podridão que caí na degradação do tempo.
Precisa de obras, este lugar que sou eu, precisa de expurgar os fungos de sala fechada na humidade dos pensamentos que cheiram a bolor no paraíso de traças de destino encalhadas no presente.
Há goteiras no telhado que não me deixam dormir na sequência do plic-ploc repetitivo e agoeirento.
Há correntes de ar bem falantes mascaradas de ventos uivantes com som de cana rachada e pretenções de de tempestade.
Falam do tempo as colunas rendilhadas de pedra esculpidas na arte dos tempos, falam de murmúrios os tectos trabalhados de rosáceas e pintados de frescos mitológicos que se desfazem em poeiras coloridas espalhando particulas de cor.
Caixilhos de madeira de vidros quebrados deixam entrar os pássaros com esperança de abrigo nas asas do Inverno, e chega o Verão e lá estou eu encurralada nas horas que sobram de uma vida sem sentido em que o espanto dos observador choca com a frustação de vida lenta e corroida por desencantos.

Domingo ... dia de nada


Domingo dia de nada...agoiro de segundas-feiras frustradas de trabalho sempre igual.

Domingo, sucessor de sábados de esperanças elementares de descanso inventado... corre, corre em sentido contrário, sorri que é sábado e hoje sábado só é preciso ir ao supermercado, à praça local onde o peixe cheira a maresia fresca e os legumes não vem empacotados...

Sábado dia de limpeza com crianças gritantes e maridos de Expresso esperando dentro do carro em segunda fila o regresso das sacadas de comida.

Sábado dia de tudo em que tu que estás convencida que nada fazes porque é dia de família, porque não há horários para cumprir, corres alegremente esperando que sobre ainda tempo para o pudim de ovos que a sogra vai comer.

Sábado, fim de semana desejado, limpa o pó com desagrado que amanhã é dia de almoço em família.

Sábado que a sexta-feira desejou em desespero de sonhou semanais.E almoço feito, e loiça lavada, e falta a máquina da roupa e mais a roupa que está na corda que tem que ser dobrada porque a empregada de uma só manhã faz o milagre de repor ordem na casa que o domingo descoordenou.

Sábado à noite, noite de sofá, TV no ar entre as reclamações rotineiras de controle remoto. Sábado à noite os amigos que tocam na campainha para 5 segundos de convívio semanal em que se trocam invejas e rotinas, em que se contam novidades por detrás de cortinas, em que se põe os assuntos em dia... e são queixas, preços de supermercado e receitas de culinária... e resultados de futebol e filmes alugados.

E chega o domingo prenúncio de segunda, começam os lamentos e no forno assa a carne e no fogão ferve a sopa e o almoço é de Domingo e a campainha não pára e a respiração ofegante mistura-se com o apito da panela de pressão. Roupa na máquina, suspiros de enfado e na televisão o resumo dos golos da jornada levam o convívio familiar para o estádio e o silêncio do casal é fatal porque já é tempo de deitar.7.30 Segunda-feira... começa a roda que acaba na sexta-feira.Abençoado fim de semana.

quinta-feira, novembro 24, 2005

Era uma vez


Era uma vez uma galinha que vivia sozinha.Tinha gostos estranhos e daí lhe vinha a solidão.Gostava de gatos, pretos e com personalidade e de ler e escrever para se entreter enquanto passavam as horas rotineiras de insanidades nervosas.Sonhava com gritos de multidão e tinha medo de ruídos intensos.Enjoava o cheiro de perfumes caros e aborrecia-se com carros grandes de jantes brilhantes.Gostava de viajar mas odiava fazer malas.Tinha uma preferência por chaves, porque as chaves abrem coisas que não se conhecem.Queria ser famosa e por isso vivia fascinada pelas artes alheias.Odiava papagaios porque só falam sem sentido e sobre nada, mas um dia farta de tudo o que amava e odiava resolveu por em letra o facto inabalável de ser apenas uma galinha.

quarta-feira, novembro 23, 2005

... apetece-me falar de tango...
o fado não me seduz tanto, porque é uma tristeza chorona e consumida, porque lhe falta a revolta de não querer de não deixar que aconteça. O tango mostra garra, raiva, luta pelo que se quer... usa o desprezo como arma para conquistar... nem sempre ganha mas pelo menos luta...
"O tango, como o fado, é arte de representação. Quanto mais exagerados, mais verdadeiros. Só que o fado representa-se para dentro enquanto o tango se representa para fora.
As cabeleiras das mulheres, a brilhantina dos homens são sinais desse teatro que, do outro lado, por dentro, se desmonta num drama apenas perceptível para os que também foram atingidos pela seta de Cupido.
O fado é feminino porque nasce no mar. Lisboa, além... O tango é masculino porque nasce nas margens. Buenos Aires.
O fado, sendo mar, não tem limites. Impreciso.
O tango, sendo porto, vive entre muralhas. Finito.
No fado, o feminino sente saudade do centro masculino. No tango, o masculino suspira pelo ventre feminino. Por isso o fado é saudade de Deus. Por isso o tango é saudade da mãe. No fado, a mulher chora amparada na guitarra. O homem comanda. No tango, o homem, embora fingindo-se galo, chora na respiração sacudida do bandoneón. A mulher comanda. No tango, o homem encena a sua masculinidade; a mulher, a sua feminilidade. Encena-se a paixão. As suas cenas. Com gestos largos."
extraido do texto publicado por FERNANDO MAGALHÃES, Sexta-feira, 3 de Março de 2000, no Jornal Público

Porque hoje é sábado

Porque hoje é sábado... apetecia-me ficar na cama... e não fiquei

Porque hoje é sábado e não pude dormir tanto quanto queria... fiquei irritada

Porque hoje é sábado eu quero silêncio para descansar a alma

Porque hoje é sábado gostava de poder fazer apenas o que me apetece... e não posso

Porque hoje é sábado e amanhã é domingo e estou de fim de semana ... gostava que respeitassem o meu fim de semana e não me telefonassem a toda a hora com problemas de chinelo

Porque hoje é sábado eu gostava de descansar... e não descanso

Porque hoje é sábado quero ver exposições, ler o jornal, respirar fundo e não tenho tempo..

Porque hoje é sábado apetecia-me andar à toa nas horas e nos minutos... perdida em divagações do nada... e não ando

Porque hoje é sábado queria estar de chinelos, sem calças a apertar a gorduras da idade e com camisolas manchadas de descuidos... e não ando

Porque hoje é sábado gostava de trocar as refeições... de comer apenas quando a fome aperta... mas porque tenho compromissos não posso porque me arrisco a ter uma crise de fome sem que possa ir comer...

Porque hoje é sábado quero respirar fundo... e dizer bem alto "HOJE É SÁBADO", mas não digo porque a loucura me obriga a trabalhar ao sábado

Porque hoje é sábado e nada posso fazer ou nada faço para viver o sábado tal como o imagino... tenho um sábado de MERDAé bem feito...


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segunda-feira, novembro 21, 2005

O quadro está acabado quando apagou a ideia que o motivou
Braque , Georges