Eu fui uma das muitas pessoas que por dificuldades da vida tive de começar a trabalhar aos 17 anos e parar de estudar...
Ao fim de alguns anos resolvi que aquilo que sabia não me chegava e voltei a estudar à noite numa época em que não havia beneses para os estudantes trabalhadores e tinhamos mesmo de estudar. Acabava de trabalhar às 19 h na baixa e tinha aulas às 19,50 no Rainha D. Leonor... não havia carro nem papás a pagar despesas ou a dar boleias para a escola...
E assim lá fiz o antigo 6 e 7 anos (10 e 11º actuais) e o 12º ano, 3 anos de escola nocturna e de fins de semana a estudar em bibliotecas para fazer pesquisa, porque não havia net nem dinheiro para comprar livros, a trabalhar numa pequena firma privada onde não se brincava ao 25 de Abril... e agora... expliquem-me lá como fica o meu 12º ano comparado com a chachada socialista nas tais novas oportunidades e trabalhinhos de corte e cola tirados da net? Onde está a justiça disto quando incluida num currículo? A continuar por este caminho ainda acabam a receber um diploma em casa sem nunca terem pegado num livro o que não seria de estranhar vindo de um governo onde o primeiro faz exames ao domingo ...
Aqui vos deixo um testemunho que o José Manuel Fernandes deixou hoje no facebook sobre alguém que fala da sua experiência pessoal na treta das Novas Oportunidades...
A “Oportunidade”
A palavra “oportunidade” vem sendo demasiadamente prostituída, de há uns tempos para cá. Refiro-me sobretudo ao modo como é usada e aplicada nos cursos do programa “Novas Oportunidades”, com que lido diariamente e que sem excepção me deixam prostrada, no anseio, que me guia, de concretizar boas práticas profissionais.
O que parecem não perceber os vários responsáveis pela criação e pela organização das “oportunidades” é que esta é uma palavra selectiva: não chama toda a gente. Ora, pelo contrário, toda a gente é chamada às “Novas Oportunidades”, com o aceno luminoso de um salário mensal e de um diploma, ao fim de pouco mais de um ano de comparência à formação. Digo comparência, porque pouco mais é necessário. Passo a explanar alguns dos graves problemas que corrompem um projecto cujo ideal é bonito, mas estropiado pela sua implementação cega:
1. A selecção dos adultos (penso nos EFA e nos RVCC, mas os CEF também cabem aqui) é, geralmente, pouco criteriosa, juntando num mesmo grupo pessoas com níveis de formação assaz distintos, dificilmente conciliáveis. Além disso, a sua formação humana é bastas vezes precária e a disposição para o trabalho, habitualmente, nula. Há dias, houve quem, num arroubo de sabedoria, me aconselhasse a não levar aquilo “tão a sério” (por “aquilo”, referia-se ao cumprimento de horários).
2. Muitos deles estão ali porque foram coagidos pelo IEFP, tendo como única motivação o dinheiro que lhes cai na conta todos os meses, procurando todos os subsídios a que vagamente ouçam poder ter direito. Se conseguirem a certificação no final, é ouro sobre azul. Se a sala estiver equipada de computadores e o curso até for ligado à área tecnológica da informática, então vamos a transformar o espaço de formação num escritório pessoal, de que não podem ser dispensadas as redes sociais nem o MSN. Se o formador pedir trabalho pelo meio, terá de esperar por uma pausa nos contactos de monta que se estabelecem ali, mesmo por quem não conhecia os equipamentos informáticos, mas que depressa chega com deslumbramento ao maravilhoso mundo novo das tecnologias.
3. Os referenciais são abstrusos, incoerentes, irreais e ocos. Além da regular discrepância entre os conteúdos propostos e o tempo de duração do módulo (ora são em demasia para as horas previstas, ora as horas excedem em muito o necessário), os vários módulos repetem pontos uns dos outros, não se percebe uma linha sequencial de matérias nem de nível de dificuldade – e todos têm de ser adaptados aos chamados “temas de vida” e “actividades integradoras”, que limitam confrangedoramente o trabalho de formação.
4. O conceito-chave de “competência”, que norteia todo o programa, está orientado para práticas profissionais, sociais e pessoais que não contemplam a cultura nem o conhecimento – a base sólida de toda a formação.
5. Se existem adultos que não correspondem aos objectivos dos módulos, se não se esforçam nem apresentam trabalho, não podemos pensar numa “não validação”, porque, como me disseram recentemente numa reunião, “não é suposto haver não validações”. Se o formando ultrapassa o limite mínimo de faltas que podia dar, é convidado a assinar algumas horas, na tentativa de que se salve ou permaneça um tempo mais no curso, de modo a não prejudicar as entidades formativas, que são avaliadas em função do número de validações atribuídas e da quantidade de burocracia que fazem nascer. Invariavelmente, são os próprios formandos que acabam por desistir – uns porque percebem que não podem ficar ali sentados sem fazer nada; outros porque depressa detectam o calibre de alguns dos colegas de grupo e não estão para aturar delinquentes.
6. A avaliação dos adultos é feita bastante em função de “reflexões” que têm de redigir com regularidade, juntamente com documentos de “auto-avaliação” – quando poucos têm bases para realizar semelhante exercício ou se interessarem sequer por ele. A lei do menor esforço impera, e é corrente a confissão de “não senti dificuldades”, que isenta o indivíduo de desenvolver o pensamento. Ademais, quase ninguém sabe pensar nem escrever, e o que custa é sabiamente evitado.
7. Nos módulos de Linguagem e Comunicação/CLC, a colaboração nas actividades integradoras resume-se a um “redigir textos”, que, na maior parte dos casos, acaba às costas do formador: as lacunas de expressão e de correcção escrita são tais que é necessário reescrever os textos (ou linhas) entregues pelos formandos, de modo a que se tornem apresentáveis ao exterior.
8. Muitos adultos com o 6.º ano chegam a obter, num período de poucos meses, o diploma do 12.º ano, contando a sua história de vida e fazendo pesquisas na Internet. Raros são os chumbados, findo este percurso, justificando-se, muitas vezes, a certificação, pelos psicólogos e engenheiros envolvidos na avaliação, com o sentimento de “valorização pessoal” que daí advém para os “adultos”.
9. Os formadores são tratados como peças num jogo de xadrez: têm de se desdobrar para chegar a todo o lado e inventar disponibilidade para quem, em muitos casos, não a valoriza. Em múltiplas entidades, não sabemos quando vamos receber, o que frequentemente acontece com um atraso de 4 e 5 meses para com o período de trabalho realizado – porque os subsídios do Estado não chegam e as entidades que gerem vários cursos não têm meios para adiantar pagamentos. Algumas, que o têm, não sentem essa preocupação. Em todos os casos, a prioridade é o pagamento aos ditos “adultos” que, se não recebem no final do mês, boicotam a formação.
10. Os formandos têm sempre razão. Estas são apenas algumas das dificuldades com que o profissional de educação/formação se vê a braços, se quiser trabalhar e ainda não tiver lugar nas escolas públicas – ou se simplesmente escolher outros percursos de trabalho. Salvaguardo as excepções que existem para todo o panorama descrito, tão mais dignas de menção quanto é negro o quadro com que contrastam – quer entre os formandos, quer entre as entidades formativas.
Em todo o caso, a situação é inegavelmente preocupante, fazendo-nos cúmplices da proliferação, no nosso país, de uma estufa de párias, que não sabem dar valor à aprendizagem e se iludem quanto às suas “competências”, com a subscrição do Estado e uma palmadinha nas costas.
Ainda assim, não deixo de sonhar com o dia em que a palavra “oportunidade” seja limpa e volte a brilhar. Trabalho para isso a cada minuto.
(autor/a que solicitou anonimato)
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